Os diálogos de Fabião em 100 dias na Secult de Santos

Talvez o secretário da Cultura de Santos, Fabião Nunes, não conte mais o tempo em que assumiu a pasta a partir desta quinta-feira (23/abr). Será o fatídico 100º dia, tempo de reflexão e experiência suficiente para adaptação na nova morada. Com a cabeça em praças e artemídia, as mãos sujas de grafite e os pés agitados ao discotecar, o político mantém o bom costume de prestigiar as artes.

07Já com passagem no Legislativo e Executivo, conhece a teoria da boa vizinhança a ponto de aplaudir a posse do petista Ministro da Cultura Juca Ferreira e tratar parcerias com o tucano gestor estadual da pasta, Marcelo Araújo. Os diálogos constantes têm sua razão: nesta última década, é o primeiro secretário da Cultura que difere da sigla do prefeito em Santos.

Militante no PSB, recebeu o cargo em um rearranjo político com o partido apoiando Paulo Alexandre Barbosa (PSDB). Apesar de chefiar um batalhão de mais de 200 funcionários, não nomeou sua equipe e a secretaria alcança 1,5% dos cofres municipais. Em seus 100 dias, reabriu a reformada Concha Acústica e dá continuidade às conversas com a classe artística com o Plano, a Conferência e a posse do Conselho Municipal de Cultura. Estes dois últimos foram realizados recentemente.

06Por sua vez, o plano é uma de suas metas ao longo da gestão. Ainda uma quinzena de dias após a sua posse, Fabião discursou na Vila do Teatro o que norteará os seus próximos 100, 200, 300 dias enquanto secretário da Cultura. Registro aqui as palavras de Fabião entre os versos do próprio político em sua juventude.

Do nada, tudo veio

Quando alguém falou de movimentos sociais, meu cérebro imediatamente abriu uma busca, tentei escanear o que a gente tem hoje de movimento social legítimo em nosso território. Ou seja, a nossa cidade está numa zona de conforto absurda no ponto de vista da Urbis. Não só do pensamento da arte e da cultura, mas de toda Urbis. Estou tentando me lembrar qual foi o último grande edifício construído, espaço construído, que me falou ‘nossa, adorei esse prédio. Algum arquiteto fez’. A gente não tem isso. Ou seja, existe um apagão da percepção do nosso espaço territorial, que é o que a gente escolheu para viver. (…)

01Essa nebulosidade que a gente vive na cultura santista, ela tem uma origem que é a falta de transparência. (…) É uma falta de transparência nas decisões (do Poder Público). (…) Então seja, quanto a falta de critérios, o Plano vai construir. Ele vai dar uma segurança para o secretário de Cultura de Santos, que talvez não seja eu.

Provavelmente não serei eu, porque espero cumprir meu papel e quando achar que esse papel for cumprido, posso ir embora. Pode ser daqui a dois dias, daqui a cinco anos, daqui a dez anos. Não sei. Isso vai depender do tipo que a gente vai conduzir. O que quero deixar bem claro pra vocês é que a falta de clareza e do diálogo é que gera essa área nebulosa.

Sempre tudo tento explicar

[Na sua avaliação enquanto secretário na época] Existe um desarranjo, uma desordem, é, laboral, onde várias pessoas estão, por exemplo, lotadas em funções que não exercem. Logo alguns segmentos não vão pra frente em nenhum sentido, porque não existe uma cooperação à altura. (…)

Eu estava no MISS (Museu da Imagem e do Som de Santos), que foi a atividade de lançamento de uma exposição, e estava falando com a Carolzinha e com o Felipe do Querô, e falei “Carol, existe vazios culturais”. “Não existe não, Fabião”.

05Vazios culturais no conceito que estou falando é o Estado na sua promoção, no fomento público da cultura ele não chega. Isso existe no Brasil pessoal, não? E existe um vazio onde a cultura produzida nesses lugares não vai a lugar nenhum, fica ali. Então não é que estou falando de um vazio de criação, mas um vazio de comunicação.

E nada creio, nada posso acreditar

Essas respostas (sobre questões culturais) não vai ser o Fabião que vai dar, então estou muito tranquilo, porque a gente vai construir de uma maneira coletiva, de uma maneira colaborativa. E é isso o que pretendo fazer, ou seja, estabelecer critérios. Estou há 16 dias, abri três pastas. É a pasta de demandas individuais, demandas coletivas e demandas internas. São caixas. Porque se eu não tiver essas caixas, eu não tenho como sair da caixa.

Elas são três caixas, mas eu vou ter que conectá-las, porque são tudo a mesma coisa. A demanda individual é a demanda de alguém que quer fazer uma coisa, que tem um entorno, uma família, um filho. Então não ela não é só individual, ela é de um segmento, de um grupo, de um vetor.

08E a demanda coletiva ela é muito mais forte. Aqui, já senti em algumas falas, um anseio maior do cinema – precisamos de mais brasa porque a nossa sardinha não está assando -, porque quem está com a fábrica de carvão é o vetor carnaval. Se a gente estabelecer uma conexão, uma opção de bater de frente com o carnaval, a gente não vai a lugar nenhum.

Porque o carnaval (…) é a maior manifestação cultural do Brasil, ela é. Agora se ela vai continuar, é a gente que vai ter que subverter esta lógica. Eu vejo teatro no carnaval, eu vejo cinema no carnaval, eu vejo artes plásticas no carnaval, ou seja, se a gente ver isso separado, apartado, a gente não vai a lugar nenhum.

Deus é Krishna ou Alá?

03Eu sou um cidadão planetário, não sei se você vai ser, se você quer ser. Hoje estou trabalhando aqui. Acho que a gente tem universidade pública aqui e não é pra santistas, a gente tem universidade pública aqui para entrar no rol das universidades públicas.

Se você for entrar na Unifesp, talvez 2% sejam de pessoas da região, porque nossos santistas estão em Uberaba, em Manaus, na Paraíba. Isso chamo de conexões aéreas, de raízes aéreas, e o mercado é uma coisa que a gente vai ter que debater no plano.

Deus é DNA? Deus sei lá.

02Se vocês me perguntarem: onde tem cultura? A Secult tem o que falar ou não tem? Eu acho que tem. A Escola (de Artes Cênicas Wilson Geraldo) está mal engendrada, está pouca audaciosa, está ruim, precisa melhorar, acho que ela te formou de alguma maneira. (…) Você sabe o que tem que melhorar, você sabe melhor do que eu. Você fez a escola, eu não.

Bem, onde mais tem cultura? Tem no Guarany, tem, deixa eu falar outro lugar bacana, tem no Emissário Submarino? Tem na Vila? Na Arte no Dique? Aí o que eu quero, é eu Secult perguntar para sociedade, onde tem cultura? E aí vai ser uma avalanche de respostas. Aqui tem cultura, aqui tem cultura, aqui tem cultura… Vai ter cultura pra todo lado.

*Lincoln Spada