Opinião: O amparo artístico em ‘O Sagrado e o Contemporâneo’

O desamparo num mundo devorador de tempos e espaços limita-se à pior maldição do homem urbano. Como num grande fast-food, correm atrás de lendas familiares, livros religiosos, incensos e amuletos debaixo do travesseiro. Nunca, nunca trazem amores de volta. Tudo para se ampararem nos invisíveis que nos entornam – ou não. Esta busca incessante do extraordinário é a discussão incompleta de ‘O Sagrado e o Contemporâneo’, do Garage – Coletivo de Arte.

03A exposição batizada em 2013 em Santos atualmente é cultuada no Museu Prudente de Morais, até 21 de junho, em Piracicaba. Mostra eclética, tão herdeira dos encontros distraídos na literalmente garagem de José Maria da Costa Villar, quanto das inspirações de ‘O Poder do Mito’, livro-entrevista de Joseph Campbell.

O título aborda desde as etapas de uma saga de herói, as semelhanças das religiões e as diferenças entre um deus e um demônio. “Deuses reprimidos se transformam em demônios, e geralmente são esses demônios que encontramos primeiro quando voltamos a olhar para dentro”, recita o autor.

No altar de divindades em diferentes culturas, ele é categórico ao dizer que cada nome remete no fundo não só uma ética coletiva, uma justificativa idealizada para fenômenos naturais, mas o entendimento do próprio ser humano. Buscar o que há de sagrado no entorno é alcançar a nossa própria essência.

02Por isso, a intensidade nesta mostra que atravessa artes visuais, plásticas, dança e literatura. Nas tintas de Villar, nas intervenções de Olegário Monteiro, nos versos e prosas agridoces de Marcelo Ariel, nos passos dançantes entre olhares sisudos de Adriana Barbieri e Tatiana Justel. Sem falar das cores vibrantes de Claudinei Bettioll e dos quadros sacros do saudoso José Manoel de Souza Neto.

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Cada um transcendendo em obra expressada e em expressão de si mesmos, já que a liga do coletivo é justamente o ser performático. Captando em suas individualidades os valores que influenciam o seus respectivos rituais ao fazerem arte. Um tema tão abrangente e profundo que, como bênção ou utopia, pode fazer com que o visitante de ontem se surpreenda com as composições de amanhã. Então espero voltar a me surpreender com esta procissão abstrata do Garage noutras vezes.

*Lincoln Spada

Autor: Lincaos

Jornalista, ator e cineasta, assessora festivais de manhã, escreve em jornais diários à tarde e aceita farras à noite.

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