Entrevista: Da timidez aos prêmios com cineasta Fernando Coimbra

Lá em Ribeirão Preto, nos anos 80, Fernando Coimbra ainda era um adolescente que “alugava filmes VHS nas locadoras e tentava recriá-los com meu irmão com a câmera da família. Filmávamos e editávamos no videocassete, preto e branco ainda”. Não se via noutra carreira fora ser cineasta.

Participou por nove anos do Teatro Oficina, “queria aprender a como dirigir atores”. A conclusão é de que acumulou outras lições para seu dia a dia. “A formação artística no faz mudar a forma de ver o mundo. E é uma troca de todos os segmentos que a gente passa, pois também me tornei dramaturgo e aí ingressei no Cinema e Vídeo pela USP. Sem falar que passei a ser muito menos tímido. Coisa banal”.

01Na cabeceira, assitia e assiste aos westerns spaghetti de Sergio Leone, muito Quentin Tarantino, Stanley Kubrick, Martin Scorcese, Alfred Hitchcock. “Filmes que me roubam o tempo umas cinco vezes por semana”, resume o cineasta que também se dedica a obras autorais.

“Me especializei em filmes de direção. Gosto de preparar os detalhes, o som, trabalhar as técnicas de fotografia. A maneira de mostrar a história é muito importante”, descreve Coimbra como um maestro que, ao roteirizar, “não são todas as cenas que imagino de vez, mas situações que considero as mais importantes para pontuar nas páginas”.

Com o tempo, seus curtas-metragens premiados passaram a rodar o mundo (‘Magnífica Desolação’, ‘Trópico das Cabras’ e ‘O Retrato de Deus Quando Jovem’). “Sinto que são muito verdadeiros. Porque esses filmes não saem somente de mim, eles passam a tocar as pessoas. E gosto de filmes que sejam assim”.

03Ele rememora logo um longa de Bernardo Bertolucci, ainda em preto-e-branco, que o marcou profundamente aos seus 15 anos. “O cinema não precisa ser chiclete, ele não pode só entreter. Ele pode instigar, nos faz pensar sobre as situações durante a semana inteira seguinte”, fala com entusiasmo, pois foi por tal razão que escolheu a profissão.

Por 20 anos passeando em festivais de curtas-metragens, enfim, realizou o sonho antigo de recontar o crime ‘A Fera da Penha’ no longa ‘O Lobo Atrás da Porta’, com Milhem Cortaz e Leandra Leal. “A situação me marcou porque ela é marcada de violência, paixão e brutalidade. É o ciúme da amante que faz sequestrar a filha de seu amado. Coloquei a ideia no papel ainda na faculdade e, com o tempo, fui amadurecendo”.

Fernando diferencia o processo de roteiro de curtas e de longas “com se num, eu me preparasse para uma corrida de 100 metros e, noutro, faço uma maratona. Você precisa de uma dramaturgia maior”. Em ‘O Lobo Atrás da Porta’, ele tenta mostrar o drama passional de um triângulo amoroso de classe média que finda com o assassinato de uma criança.

Na época da estreia, em entrevista ao blog, ele complementou: “A repercussão tem sido muito boa, pois a história envolve uma relação paranoica, tênue, quase de dois amantes enforcados. E não existe crime perfeito. O que assusta as pessoas é que esta motivação, o ciúme, é algo próximo de todos nós”.

*Lincoln Spada

 

Entrevista: Legado das emendas para cultura da deputada Telma de Souza

Como vereadora, prefeita, deputada federal e, mais recentemente, estadual, Telma de Souza (PT) sempre foi uma política ligada às demandas dos movimentos artísticos. Dos anos de 2010 a 2014, foi quem mais legislou para o segmento na Baixada Santista, garantindo R$ 6 milhões em emendas parlamentares, principalmente, para a manutenção de festivais. Assim, logo se tornou madrinha do Festa – Festival Santista de Teatro, Curta Santos – Festival de Cinema de Santos, Fescete – Festival de Cenas de Teatro de Santos, Sansex – Mostra de Cinema e de Cultura da Diversidade Sexual de Santos, FestKaos – Festival de Teatro do Kaos, entre outros.

No mínimo, os valores cobriam um terço dos eventos. Vale ressaltar que, certas vezes, as emendas aprovadas ainda eram atrasadas pela burocracia do Governo Estadual, mantido pelo rival PSDB. Por exemplo, a rixa partidária ocorreu em duas situações com o Curta Santos, sendo que uma vez a liberação da verba precisou do intermédio da Secult municipal. Enfim, é inegável reconhecer o esforço de Telma, que reserva um quarto do seu orçamento para projetos culturais.

No entanto, a última eleição não garantiu a reeleição da parlamentar na Assembleia Estadual para este ano. Em entrevista virtual, a petista avalia o seu mandato e investimentos para o segmento, as dificuldades da Comissão de Educação e Cultura no Legislativo e o respaldo de seu olhar atento às política públicas da área: “Não me arrependo de aplicar uma parte significativa das emendas de minha autoria para a Cultura”.

Telma, você poderia explicar sobre a proposta de emenda que fez e reiterou para o seminário regional e os planos municipais de cultura. O porquê dessa emenda? E como as prefeituras conseguem gerir essa emenda?

03Há cerca de um ano, os secretários municipais de Cultura da Baixada Santista pediram ajuda aos deputados da região para obter recursos para seus projetos, pois as prefeituras têm orçamentos mínimos para o setor. Eles pleiteavam a destinação de mais emendas. Na ocasião, fui a única deputada a comparecer ao encontro, realizado na Unimonte, e, apesar de já ter apresentado minha planilha ao Estado, consegui reajustar e incluir 10 projetos das prefeituras.

Naquele momento, apresentei uma proposta para a uniformidade regional das ações da Cultura, ou seja, as prefeituras precisam ter seus projetos locais, mas, também, desenvolver ações regionais, uma vez que muitos dos projetos que dependem de recursos públicos têm abrangência em várias cidades da Baixada. Assim, sugeri aos secretários a criação de um consórcio intermunicipal, que, ao ser implantado, poderia ter um fundo para captação de verbas federais e estaduais. Essa iniciativa é uma maneira de ampliar o dinheiro para a Cultura, reduzindo a dependência pelos aportes orçamentários.

Uma outra proposta são as emendas nº 4250, 4249 e 4247 e 4231 ao Orçamento Estado (podem ser consultadas aqui), que preveem a aplicação de cerca de R$ 1,5 milhão para a realização do Seminário Regional na Baixada Santista sobre a implantação dos Sistemas Municipais de Cultura, de consultoria e de elaboração dos planos municipais de Cultura, bem como um plano metropolitano. Estas propostas visam à capacitação dos gestores e padronização das ações, com vistas à adequação dos municípios para o gerenciamento do setor cultural.

Mesmo depois dos R$ 6 milhões que destinou para a cultura em seu último mandato, a deputada não conseguiu ser eleita. Você guarda mágoa da classe artística?

Antes de tudo, é preciso reconhecer e reafirmar que só a Cultura é verdadeiramente revolucionária. Eu, particularmente, em todos os mandatos que assumi, sempre considerei a Cultura uma mola propulsora das mudanças na sociedade. É a partir da Cultura que mobilizamos os esforços necessários para cobrar e buscar melhorias na Educação, na Saúde, na Segurança. Sem a Cultura, não há identidade e, tampouco, o pensamento crítico exigido para fomentar as revoluções sociais.

Por acreditar nisso, não relaciono eleições e o apoio que sempre dei para a Cultura em meus mandatos, seja como prefeita, vereadora, deputada estadual ou federal. Em razão de tudo isso, não me arrependo de aplicar uma parte significativa das emendas de minha autoria para a Cultura, algo em torno de 25% do total, mesmo que uma grande parte dos agentes do setor prefira apoiar candidaturas sem compromisso com a classe artística, por motivações estritamente financeiras.

Muitas emendas e projetos que você assinou em conjunto com outros deputados foram para fundações e institutos públicos estaduais relacionados à cultura. Qual a avaliação dessas emendas e qual é o retorno desses investimentos?

01O PT é um dos partidos que mais lança mão da tática de elaborar emendas e projetos conjuntos, muitas vezes para atender a demandas pontuais ou mesmo com o intuito de incentivar e promover determinadas ações de forma concomitante e capilarizada. A rigor, este tipo de ação é organizada pela Liderança do PT na Assembleia Legislativa, que se encarrega de administrar essa demanda e manter os gabinetes informados a respeito de suas tramitações.

Há diversos casos deste tipo neste mandato, geralmente com o intuito de atender os movimentos culturais e grupos independentes dos chamados “fazedores de arte”, que nem sempre encontram respaldo no poder público constituído, mas que têm uma enorme importância, do ponto de vista estratégico, para o PT e, especialmente, para mim.

Um bom exemplo a ser citado foi o ato em defesa do Teatro Oficina, em São Paulo, no ano passado, que contou com a presença maciça de parlamentares paulistas do PT, entre eles o senador Eduardo Suplicy e eu. O Teatro Oficina é um patrimônio cultural não só da cidade ou do Estado de São Paulo, mas do Brasil, e está ameaçado pela construção de um empreendimento imobiliário comercial.

Você também investiu muitas emendas para o calendário de festivais da Baixada Santista e institutos culturais da região. Qual a avaliação sobre o retorno do investimento desses festivais para a comunidade?

02Desde minha passagem pela Prefeitura de Santos (1989-1992), sempre destaquei atenção especial para a Cultura, tanto que podemos citar dezenas de intervenções e projetos que permanecem vivos e foram incorporados à Cidade. Isso não é possível quando se está fora do Poder Executivo, ou seja, ocupando o cargo de prefeita.

Na função parlamentar, só se pode apoiar a Cultura basicamente por meio de emendas e, por isso, sempre destino minha cota para grupos independentes, que precisam do recursos para manter sua arte em movimento. Destino emendas para diversos grupos e festivais, desde quando assumi como deputada federal, lá em 1995. Neste mandato em execução, mantive e ampliei as emendas e os beneficiados, porque sei que, sem esta verba, diversos projetos correm o risco de não ter como se manter e fechar.

O Sansex, o Fescete, o Festa, a Tarrafa Cultural e o Curta Santos, por exemplo, foram realizados em conjunto no ano passado, por não terem o respaldo financeiro do governo municipal, mas minha contribuição como deputada pôde amenizar a crise e permitir as suas realizações. E faço isso com a certeza de que os projetos apoiados mudam a vida das pessoas. Um outro exemplo bem-sucedido é o Teatro do Kaos, de Cubatão, que, além de promover seu festival, capacita centenas de jovens para atuar profissionalmente.

Como você avalia a comissão parlamentar para a cultura em seu mandato? Quais são as dificuldades do Legislativo para pautar políticas culturais?

04A Cultura na Assembleia Legislativa é tratada dentro da Comissão de Educação e Cultura, cuja prioridade é dada aos temas da Educação. Neste mandato, fui suplente na Comissão e, agora, sou membro efetivo. O grande problema é que a discussão das pautas e projetos nesta Comissão está esvaziada e não tem periodicidade de deliberações, com muitas reuniões canceladas por falta de quórum. Por isso, o mandato precisa se superar sempre, participando ativamente das discussões, dos conselhos, da fiscalização sobre o cumprimento do orçamento, com a elaboração de projetos, além da indicação dos projetos para as emendas.