Opinião: Carlos Prates reinventa a Concha Acústica e seu nome

“Que alívio”, abraçava-me o arquiteto Carlos Alberto Prates Costa com o mesmo entusiasmo enrubescido que teve com os demais espectadores durante a reabertura da Concha Acústica. A reinauguração era o auge da programação do 469º aniversário de Santos, na noite de 26 de janeiro. A entrega da obra também parecia ser a cicatriz da única ferida na carreira de Prates. O seu tom efusivo já se repetia desde 22 de abril de 2013, quando o entrevistei pela primeira vez ao descobrir o projeto de revitalização do equipamento.

01Aos 69 anos, o catarinense Prates está há mais de 47 anos como funcionário da empresa mista Prodesan – Progresso e Desenvolvimento de Santos S/A. O arquiteto mais longevo da entidade é responsável pelos pontilhões entre os canais na praia, pela modernização do Aquário Municipal, pelo novo prédio do Teatro Guarany, pela revitalização do Deck do Pescador, além de outras obras.

Célebre por dizer que “a arquitetura é a arte do possível”, idealizou as dezenas de quilômetros de ciclovias santistas. Principalmente os trechos da praia e da Avenida Ana Costa foram os alvos das críticas mais ferrenhas da população, já que o jardim da orla e certos equipamentos da via comercial são tombados. A perspectiva da bicicleta como meio violento para crimes e acidentes em vez de veículo para trabalhadores e estudantes pautou inúmeras audiências. Ele, teimoso, ainda conseguiu implantar o projeto de mobilidade, como também ver o município ser referência no setor.

Eterno alvo de queixas

02A maior angústia seria então a Concha Acústica, solicitação do então prefeito Paulo Barbosa para levar um atrativo cultural à orla. Ela foi vocacionada a cantorias em 21 de junho de 1981, mas silenciada 20 anos depois. Em nosso primeiro encontro, Prates suspirava devaneios: “Imagina, à noite, os idosos descerem do prédio e virem até à praia escutar um concerto. Ou, no fim de semana, os pais levando seus filhos para assistir a um teatro infantil”.

Bem verdade que as queixas subiam o tom antes mesmo de sua construção. O ecologista Ernesto Zwarg Filho solicitou judicialmente interditar as obras alegando prejuízos ecológicos no entorno verde. Outros também tentaram mais ações judiciais nos anos 80. Mas o xeque ocorreu em ação do Ministério Público em 1996 sobre poluição sonora, emudecendo o espaço após cinco anos.

Vizinhos preferiam concertos a pagode

02Uma nova geração da vizinhança pediu a mudança de posição do local, a sua demolição ou a sua cobertura completa para se tornar em cinema de arte estrangeiro à custa de restringir o espaço para músicos locais. No fundo, no fundo, o arquiteto se entristecia com uma versão para a mudez da Concha Acústica. Jamais os moradores da orla reclamavam dos recitais das orquestras, dos velhos rocks de seus jovens filhos ou dos teatros infantis para levarem os netos.

A dor de ouvido alheio era os shows de samba, pagode e forró. Talvez mais pelo ritmo e pelos frequentadores do que pela Lei do Silêncio. E a paz dos bons vivants se garantiu até a última semana. Prates pensou e repensou na barreira sonora, conversou com o atual prefeito, filho de quem inaugurou, o Paulo Alexandre Barbosa e levaram adiante a retomada do espaço.

Revitalização e uso de instrumentos

04Uma camada de 70 metros de vidro laminado de 16 milímetros encobre a Concha que teve seu palco ampliado para 50 metros, e ganhou cabine de som e luz atrás da arquibancada, rampas acessíveis, 250 cadeiras de PVC além das 120 pessoas que podem estar em pé no primeiro degrau. O custeio de quase R$ 1,2 milhão foi realizado pelo Governo Estadual.

De fato, o isolamento e a revitalização da Concha não conseguiu estender o uso de aparelhos acústicos de percussão, por mais que o promotor do MP Daury de Paula Júnior tenha dito ao jornal A Tribuna que os testes com bandas no local resultou em sons imperceptíveis nos prédios vizinhos. Um termo proibindo os instrumentos foi assinado pela Prefeitura, MP e Cetesb.

Mesmo assim, apenas pela oportunidade de reabertura, Prates rearranjou a melodia que atormentaria sua carreira. Reinventou o antigo elefante branco, e o seu próprio nome como criador da casa de espetáculos. E com a adaptação que cabe aos músicos, hoje já é possível tornar o ambiente em um novo lar para o samba, o pagode, o rock, o MPB e demais gêneros.

*Lincoln Spada

Autor: Lincaos

Jornalista, ator e cineasta, assessora festivais de manhã, escreve em jornais diários à tarde e aceita farras à noite.

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