Selo Sesc lança disco ‘Festival Música Nova’, concebido por Gilberto Mendes

Por Corina de Assis e Felipe Veiga

Idealizado pelo maestro e compositor Gilberto Mendes, morto em janeiro de 2016, o CD “Festival Música Nova” é o primeiro e único registro oficial do mais importante evento da música experimental da América Latina. O festival é realizado desde 1962 sob a concepção de Mendes, um dos pioneiros da música concreta brasileira e do Manifesto Música Nova. O concerto de lançamento acontece dia 20 de janeiro, às 21h, no Sesc Santos (R. Cons. Ribas, 136). Ingressos de R$ 10 a R$ 20.

O CD duplo traz repertório com peças apresentadas pelo ensemble Música Nova na edição de 2014 do Festival, em Ribeirão Preto, gravadas posteriormente sob a regência do maestro norte-americano Jack Fortner. Duas delas são de autoria de Gilberto Mendes (“Longhom Trio” e “Ulisses em Copacabana, Surfando com James Joyce e Doroty Lamour”). Há outras quatro composições de nomes ligados ao Festival: “Divertimento Água Mineral”, de Paulo Costa Lima; “Prenascença”, de Gil Nuno Vaz; “L’Attente”, de Tatiana Cantazaro; e “Granite Blocks/Quiet Water”, de Jack Fortner.

No CD do encarte, o jornalista Gil Nuno Vaz descreve o disco: “é um significativo ensemble de 13 peças, escritas por 12 autores, formando um painel que, se não chega a dar conta de toda a diversidade criativa que o Festival vem mostrando há décadas, cumpre satisfatoriamente a função de representar esse ‘espírito’ do evento idealizado por Gilberto Mendes”.

Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo, conta que Gilberto Mendes procurou o Sesc São Paulo em 2015 com a proposta de gravar o disco. “As gravações foram avançando e o primeiro registro do Festival estava caminhando. Porém, no primeiro dia de 2016, Gilberto Mendes partiu, deixando-nos saudosos de sua presença, mas gratos por toda sua obra. Dessa forma, esse trabalho tornou-se mais que uma homenagem ao Festival Música Nova. É também uma homenagem do Sesc ao mestre Gilberto Mendes”. O CD “Festival Música Nova” custa R$ 20,00 e está à venda nas unidades do Sesc e no link http://www.sescsp.org.br/livraria.

Festival Música Nova

O Festival Música Nova, idealizado por Gilberto Mendes, é um evento internacional e anual de música contemporânea realizado desde 1962, que teve seu nascimento em São Paulo. Nos últimos anos, já trouxe ao Sesc nomes de destaque da cena internacional como os compositores Pierre Henry e Alvin Luci, além do Arditti Quartet e integrantes da IRCAM (Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique), criado por Pierre Boulez.

Um dos objetivos do Festival é instigar o movimento por uma música revolucionária, nova, em oposição ao academismo dominante. Sua realização proporciona o desenvolvimento de uma história do segmento da vida musical brasileira, voltado para a criação de vanguarda, para o experimentalismo e a criação de novas linguagens e técnicas musicais.

Já foi produzido simultaneamente nas cidades de Santos e São Paulo, além de realização de concertos em Ribeirão Preto e Campinas. Desde 2012, sob direção artística de Rubens Russomanno Ricciardi, o Festival vem sendo realizado pelo Departamento de Música USP de Ribeirão Preto, em parceria com o Sesc São Paulo, com concertos e cursos no campus e na unidade Sesc da mesma cidade.

Selo Sesc

O Selo Sesc tem como objetivo registrar o que de melhor é produzido na área cultural. Constrói um acervo artístico pontuado por obras de variados estilos, da música ao teatro e cinema. Por exemplo, lançou em 2016 os CDs “MPB4 – 50 anos – O Sonho, a Vida, a Roda Viva!”, “Donato Elétrico” (de João Donato), “Rei Vadio” (Romulo Fróes) e “Portrait” (Maury Buchala), “Lambendo a Colher” (Rolando Boldrin), “Ascensão” (Serena Assumpção), “A Saga da Travessia”, de Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz, “Novos Mares”, de Fortuna, “Curado”, do sexteto Hurtmold e do músico Paulo Santos – além dos DVDs ”O Fim do Mundo, Enfim” e “O Sal da Terra – Uma Viagem com Sebastião Salgado”.

Entrevista: Danilo Miranda lança Circuito Sesc de Artes em SP

“Leia Giulio Argan. É um teórico da arte que trata desde aquelas manifestações nas cavernas, da arte rupestre, até a arte moderna. Leia ele, outros. Leia muito”, recomendava Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. Por um descuido, seu braço acalorou outro ombro. Em segundos, já bailava em quatro, cinco, seis cumprimentos sorridentes no Sesc Pompeia, onde foi lançado o Circuito Sesc de Artes 2015.

07O programa criado na última década possibilita um dia de oásis cultural pelo interior paulista. Municípios sem teatros, redondezas com raros cinemas, locais sem secretarias da cultura firmadas. A agenda da entidade abrange 108 cidades em 12 roteiros com 392 artistas, em linguagens como teatro, circo, dança, música, cinema, artemídia e cultura digital. Ao todo, 547 horas de atividades gratuitas e descentralizadas para um público de 280 mil espectadores. Confira aqui a programação completa.

Repensar num projeto de tal amplitude precisa mesmo de uma sensibilidade do gestor. O circuito abrange índices tão invejáveis quanto o seu similar criado pelo Governo Estadual. Em um único fim de semana, a Virada Cultural Paulista ocorre em 28 cidades, mas mantém cerca mais de 1500 horas de programação gratuita e milhares de artistas.

A principal diferença é que a iniciativa do Sesc percorre mais locais por ser realizada de 24 de abril a 10 de maio deste ano. Mas se os governos são obrigados a rever os gastos orçamentários, reduzindo expedientes de museus e fechando unidades de formação, a instituição privada goza da sorte de inaugurar neste sábado (dia 18) a sua 36ª unidade, o Sesc Jundiaí (Av. Antonio Frederico Ozanan, 6.600/Jundiaí). Segue abaixo a entrevista com Danilo Miranda.

Como você conceitua a arte?

06A arte e a cultura são permanentes em nossas vidas, desde o abrir dos olhos e o primeiro chorinho até nosso último suspiro. Vou dar um exemplo, um vídeo muito visto pela Internet. A história da Marina (Abramovic) está aí, para todos. A artista, sentada olhando as pessoas que a visitavam (na performance ‘The Artist is Present’). E então ela reencontra o ex-marido. Sentado na frente dela por um minuto.

Isto é pura arte. Um vídeo fantástico, um fato corriqueiro, mas que as pessoas ao redor e nós ficamos alterados, porque você se emociona, se toca com a cena. Não é que a arte é necessária. Ela é fundamental para a elevação do espírito. É com a arte que você se realiza plenamente enquanto sociedade.

Qual é a inspiração para o Circuito Sesc de Artes?

O Sesc tem uma tradição histórica em que nos espelhamos que é a das Unidades Móveis de Orientação Social que percorriam o interior paulista nos anos 50, 60. Somos remanescentes desse período, portanto, temos em nossa bagagem toda a história de desenvolvimento que o Sesc contribui por meio dessas unidades como escolas para lideranças comunitárias atendendo com saúde, lazer e cidadania. Era um projeto de caráter profundamente intenso por ser itinerante. E a partir dele nos inspiramos neste circuito.

Quais são os critérios para a escolha dos artistas? É pensado em levar produções que toquem temas específicos para os municípios selecionados?

09Olha, a gente não tem a intenção, por exemplo, de levar um rapper que trate da violência para uma cidade específica por ter altos índices. Nossos critérios são a qualidade das produções, fantásticas, algumas de custo altíssimo e, por isso, também pensamos na democratização para que essa qualidade chegue ao maior número de pessoas. Mas a arte contemporânea já traz consigo a problemática dos dias de hoje. O rapper de Brasília e de Goiânia geralmente fala dos mesmos problemas conhecidos pelos músicos do Rio e de São Paulo.

Penso que é importante levar para o interior essa discussão do contemporâneo e não vejo mais que haja mais ou menos conservadorismo em relação a quem more nos grandes centros urbanos. É importante que haja a vivência de diferenças e dos diferentes em qualquer parte, e até que o circuito passe e provoque estas discussões. Mas a nossa intenção é de levar a qualidade artística para estas cidades.

Muitos projetos do Sesc têm caráter educacional. Isso também se aplica no Circuito?

08O Circuito não tem o objetivo de resolver ou educar, mas de provocar, contribuir com a discussão das artes em São Paulo. Ele não tem um componente formativo específico como se fosse uma aula, mas informalmente podemos dizer que faz parte desta formação a provocação de manifestações culturais, de impactar o público. Porque se o público gosta do cantor, do maestro, do grupo que se apresenta, ele vai querer buscar o repertório dele por outras fontes.

Quais os resultados do Circuito Sesc de Artes? Algum comentário de um artista mais lhe marcou?

A quem inicia na carreira, o programa é válido pois dá repercussão, faz com que ele conheça mais públicos. Também lembro dos comentários do Emicida, do (André) Abujamra no nosso vídeo institucional. O que eles e outros com carreira consolidada comentam é que o programa possibilita que eles se apresentem em locais que geralmente nunca vão, porque a produção, o custo é muito caro de levar shows em cidades de pequeno, médio porte.

*Lincoln Spada

 

A face criança do diretor Antunes Filho segundo amigos

Um mutirão silencioso se arrastava em Santos em 2012 aguardando a aparição de um menino prodigioso, alto, levemente curvado, de 84 anos. Foi com esse espírito levado, de moleque, que o jornalista Sebastião Milaré descreveu seu amigo pessoal e protagonista do livro ‘Antunes Filho – Poeta da Cena’, lançado no Festival Mirada. “Ele continua a ser aquele meninão que conheci há anos, jogador de peladas da Bela Vista (SP)”.

Hoje, Antunes prefere assistir aos jogos do São Paulo pela tevê, mas sabe driblar: anda apressado e, bom conversador, tem respostas espontâneas. Milaré tem razão sobre o tom brincalhão do mítico coordenador do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc (CPT).

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Ele vive a desafiar as pessoas, a fazer pegadinhas, fingir-se de sério. Num ensaio, pediu a opinião do fotógrafo Emídio Luisi (que assina o livro com Milaré). Ao ouvir uma crítica sobre a iluminação, exigiu que Luisi falasse da ribalta, diante de todo o elenco. “Depois, senti que ele tinha testado minha convicção. Como um cartão de visita para trabalhar com ele”.

Por esse batismo, Luisi é grato ao encenador. Garante que é uma dádiva observar o trabalho do CPT, que a companhia lhe deu um rumo em sua carreira, e que Antunes seria um generoso mestre ao formar atores, dramaturgos e, principalmente, pessoas.

02E Antunes formou. Por quase 60 anos, cresceu junto a elencos com Jardel Filho, Cleyde Yáconis, Maria Della Costa, Stênio Garcia, Paulo Autran, Eva Wilma e Lilian Lemmertz. Sendo essas duas últimas atrizes, na montagem de Antunes ‘Esperando Godot’ (1977), que inspiraram Lígia Cortez a ingressar no universo teatral.

“Quando trabalhamos juntos, ele nunca deixava os espetáculos iguais a outros. Todo dia, ele fazia uma alteração conosco”, lembra a atriz. Talvez essa seja a melhor resposta de Antunes aos seus maiores medos: a aposentadoria e o estereótipo nos palcos. Para ele, o ator precisa ser orgânico em cena.

Um exemplo de seu perfeccionismo: em ‘A Hora e a Vez de Augusto Matraga’ (1986), passou quase 12 horas ensaiando a entrada de um único ator com uma carroça. Uma passagem simples, porém, que deveria evidenciar a exaustão da personagem. A precisão do encenador é tamanha, que sua antiga colega, Isabel Ortega, alega “que o Antunes nos ensinava literalmente a ler”.

Eterno curioso do comportamento humano, Antunes lê e relê o mundo. Tem o hobby de assistir a filmes (prefere o neorrealismo italiano), ler obras e exige que o elenco também viaje pela narrativa – o CPT obriga a leitura de 23 livros para quem quer entrar na companhia.

03Crê que o conhecimento é indispensável ao homem. Antes do Milaré publicar seu primeiro livro sobre o método do CPT em ‘Hierofania’, o próprio encenador recomendava que, por oito meses, o elenco discutisse e realizasse exercícios teorizados na obra.

Hoje, é esse comportamento inquieto e rígido de Antunes que suscita elogios do coordenador geral do Sesc, Danilo Miranda. Cita sua paixão visceral pelo teatro e eleva-o, junto a Zé Celso Martinez e o saudoso Augusto Boal como um dos principais diretores do País. “Mais que um diretor, é ele quem introduz o teatro no Brasil”.

Também o leva para além das fronteiras. Marco do teatro nacional, ‘Macunaíma’ (1978) esteve em turnê por mais de 20 países. Ator e, depois, diretor do Teatro Brasileiro de Comédia, Antunes colheu aplausos com espetáculos de outras companhias. São tragédias gregas, dramas estrangeiros e obras de Nelson Rodrigues. O encenador justifica seus sucessos com a breve lição: “seja humanista”.

*Publicado originalmente em A Tribuna em 14 de setembro de 2012