Por Lincoln Spada | Foto da capa: Vitor Domingues
“Você ainda vai me ajudar a fazer um livro de minhas memórias”, disse-me Andrelina Amélia Ferreira, a Andreia MF, nos idos de 2013. Reencontrei-a homenageando sua história em 2014 a um encontro regional da juventude católica. Em 2017, após lançar meu único livro-reportagem, sobre a Cracolândia, ela voltou a recitar seu sonho.
> Clique aqui e colabore já com o pré-lançamento desse livro no crowdfunding
![](https://revistarelevo.wordpress.com/wp-content/uploads/2019/11/20191026-foto-lindamikallec3a3o-21.jpg?w=200&h=300)
Uma nova obra já não me soava tão distante, mas para abordar o passado da trançadeira, a quem já chamávamos de “mãe e filho”, pensei que seria mais bem-vinda se fosse por mãos femininas. Após o último réveillon, revisito a morada de Andreia, no Balneário Maxland (Praia Grande). De seus 50 anos, os últimos 20 foram ali. Há vai e vem em sua sala de porta aberta ao mundo.
Boa parte são vizinhas das mais diferentes idades, de crianças a idosas do entorno com o seu presente igual ao passado da anfitriã. Mães solo, órfãs na infância, algum familiar com vícios, esposas de pessoas em situação de drogas ou encarcerados, vítimas de violência doméstica ou sexual, mulheres em situação de rua ou de prostituição.
> Clique aqui e colabore com o pré-lançamento desse livro no crowdfunding
Alguma dessas feridas eram relatadas pelas visitas, enquanto Andreia já amargou por todos esses estigmas. Da sua parte, escutava e perguntava se precisava de alimentos e cestas básicas – doados pelo comércio local ao seu lar. Também orientava às mulheres como procurar uma vaga de creche, de SUS, de SUAS, um curso de capacitação. Até Andreia quer voltar aos estudos – parou no 6º ano do Ensino Fundamental.
A sua sabedoria, que vem da rua e do senso altruísta, comunitário, norteou mais de 100 horas de entrevista. Logo após o almoço, dividimos litros de café numa sala de reencontros com lembranças, pesadelos e músicas. Entrava lá às 14 horas, e ela só saía da cadeira às 23h30, pois não queria me deixar só no ponto de ônibus. Essa rotina chegou a ser mais de uma vez por semana no semestre. O itinerário era digerindo os causos da devota de outra mãe negra – a Nossa Senhora Aparecida.
> Clique aqui e colabore com o pré-lançamento desse livro no crowdfunding
![](https://revistarelevo.wordpress.com/wp-content/uploads/2019/11/20190528-vitordomingues-60.jpg?w=300&h=200)
Pelo caminho, me perguntavam o porquê de eu, jovem de orla, ir tantas vezes até ela, anjo do gueto. É que foi catártico. Em janeiro, órfã de filho rapaz, contou-me da predileção dele ao meu livro-reportagem. Assim, diante de mim, Andreia pegou a obra, sentou-se, abriu-a ao meio, ergueu-a ao rosto e a abraçou, ressignificou todas as minhas palavras – é que a publicação tinha o cheiro do seu filho. De peito rasgado, senti que era a vez de eternizar Andreia nesse novo título.
‘Manual de como trançar rumos’ é um livro de memórias de Andreia, rapper, trançadeira, defensora pública popular e ativista (organizou movimentos Anjos do Gueto e Mães do Cárcere), com co-autoria de Lincoln Spada, repórter contemplado com 1º Prêmio Irmã Dolores – Jornalismo de Direitos Humanos, fotos de Linda Leão e ilustrações de Isabela Sessa, a ser publicado pela Editora Imaginário Coletivo. A previsão é de lançamento até janeiro.
> Clique aqui e colabore com o pré-lançamento desse livro no crowdfunding