A quatro mãos, livro ‘Manual de como trançar rumos’ é foco de vaquinha online; contribua no pré-lançamento

Por Lincoln Spada | Foto da capa: Vitor Domingues

“Você ainda vai me ajudar a fazer um livro de minhas memórias”, disse-me Andrelina Amélia Ferreira, a Andreia MF, nos idos de 2013. Reencontrei-a homenageando sua história em 2014 a um encontro regional da juventude católica. Em 2017, após lançar meu único livro-reportagem, sobre a Cracolândia, ela voltou a recitar seu sonho.

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Foto: Linda Leão

Uma nova obra já não me soava tão distante, mas para abordar o passado da trançadeira, a quem já chamávamos de “mãe e filho”, pensei que seria mais bem-vinda se fosse por mãos femininas. Após o último réveillon, revisito a morada de Andreia, no Balneário Maxland (Praia Grande). De seus 50 anos, os últimos 20 foram ali. Há vai e vem em sua sala de porta aberta ao mundo.

Boa parte são vizinhas das mais diferentes idades, de crianças a idosas do entorno com o seu presente igual ao passado da anfitriã. Mães solo, órfãs na infância, algum familiar com vícios, esposas de pessoas em situação de drogas ou encarcerados, vítimas de violência doméstica ou sexual, mulheres em situação de rua ou de prostituição.

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Alguma dessas feridas eram relatadas pelas visitas, enquanto Andreia já amargou por todos esses estigmas. Da sua parte, escutava e perguntava se precisava de alimentos e cestas básicas – doados pelo comércio local ao seu lar. Também orientava às mulheres como procurar uma vaga de creche, de SUS, de SUAS, um curso de capacitação. Até Andreia quer voltar aos estudos – parou no 6º ano do Ensino Fundamental.

A sua sabedoria, que vem da rua e do senso altruísta, comunitário, norteou mais de 100 horas de entrevista. Logo após o almoço, dividimos litros de café numa sala de reencontros com lembranças, pesadelos e músicas. Entrava lá às 14 horas, e ela só saía da cadeira às 23h30, pois não queria me deixar só no ponto de ônibus. Essa rotina chegou a ser mais de uma vez por semana no semestre. O itinerário era digerindo os causos da devota de outra mãe negra – a Nossa Senhora Aparecida.

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Foto: Vitor Domingues

Pelo caminho, me perguntavam o porquê de eu, jovem de orla, ir tantas vezes até ela, anjo do gueto. É que foi catártico. Em janeiro, órfã de filho rapaz, contou-me da predileção dele ao meu livro-reportagem. Assim, diante de mim, Andreia pegou a obra, sentou-se, abriu-a ao meio, ergueu-a ao rosto e a abraçou, ressignificou todas as minhas palavras – é que a publicação tinha o cheiro do seu filho. De peito rasgado, senti que era a vez de eternizar Andreia nesse novo título.

‘Manual de como trançar rumos’ é um livro de memórias de Andreia, rapper, trançadeira, defensora pública popular e ativista (organizou movimentos Anjos do Gueto e Mães do Cárcere), com co-autoria de Lincoln Spada, repórter contemplado com 1º Prêmio Irmã Dolores – Jornalismo de Direitos Humanos, fotos de Linda Leão e ilustrações de Isabela Sessa, a ser publicado pela Editora Imaginário Coletivo. A previsão é de lançamento até janeiro.

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Entrevista: Danilo Miranda lança Circuito Sesc de Artes em SP

“Leia Giulio Argan. É um teórico da arte que trata desde aquelas manifestações nas cavernas, da arte rupestre, até a arte moderna. Leia ele, outros. Leia muito”, recomendava Danilo Santos de Miranda, diretor regional do Sesc São Paulo. Por um descuido, seu braço acalorou outro ombro. Em segundos, já bailava em quatro, cinco, seis cumprimentos sorridentes no Sesc Pompeia, onde foi lançado o Circuito Sesc de Artes 2015.

07O programa criado na última década possibilita um dia de oásis cultural pelo interior paulista. Municípios sem teatros, redondezas com raros cinemas, locais sem secretarias da cultura firmadas. A agenda da entidade abrange 108 cidades em 12 roteiros com 392 artistas, em linguagens como teatro, circo, dança, música, cinema, artemídia e cultura digital. Ao todo, 547 horas de atividades gratuitas e descentralizadas para um público de 280 mil espectadores. Confira aqui a programação completa.

Repensar num projeto de tal amplitude precisa mesmo de uma sensibilidade do gestor. O circuito abrange índices tão invejáveis quanto o seu similar criado pelo Governo Estadual. Em um único fim de semana, a Virada Cultural Paulista ocorre em 28 cidades, mas mantém cerca mais de 1500 horas de programação gratuita e milhares de artistas.

A principal diferença é que a iniciativa do Sesc percorre mais locais por ser realizada de 24 de abril a 10 de maio deste ano. Mas se os governos são obrigados a rever os gastos orçamentários, reduzindo expedientes de museus e fechando unidades de formação, a instituição privada goza da sorte de inaugurar neste sábado (dia 18) a sua 36ª unidade, o Sesc Jundiaí (Av. Antonio Frederico Ozanan, 6.600/Jundiaí). Segue abaixo a entrevista com Danilo Miranda.

Como você conceitua a arte?

06A arte e a cultura são permanentes em nossas vidas, desde o abrir dos olhos e o primeiro chorinho até nosso último suspiro. Vou dar um exemplo, um vídeo muito visto pela Internet. A história da Marina (Abramovic) está aí, para todos. A artista, sentada olhando as pessoas que a visitavam (na performance ‘The Artist is Present’). E então ela reencontra o ex-marido. Sentado na frente dela por um minuto.

Isto é pura arte. Um vídeo fantástico, um fato corriqueiro, mas que as pessoas ao redor e nós ficamos alterados, porque você se emociona, se toca com a cena. Não é que a arte é necessária. Ela é fundamental para a elevação do espírito. É com a arte que você se realiza plenamente enquanto sociedade.

Qual é a inspiração para o Circuito Sesc de Artes?

O Sesc tem uma tradição histórica em que nos espelhamos que é a das Unidades Móveis de Orientação Social que percorriam o interior paulista nos anos 50, 60. Somos remanescentes desse período, portanto, temos em nossa bagagem toda a história de desenvolvimento que o Sesc contribui por meio dessas unidades como escolas para lideranças comunitárias atendendo com saúde, lazer e cidadania. Era um projeto de caráter profundamente intenso por ser itinerante. E a partir dele nos inspiramos neste circuito.

Quais são os critérios para a escolha dos artistas? É pensado em levar produções que toquem temas específicos para os municípios selecionados?

09Olha, a gente não tem a intenção, por exemplo, de levar um rapper que trate da violência para uma cidade específica por ter altos índices. Nossos critérios são a qualidade das produções, fantásticas, algumas de custo altíssimo e, por isso, também pensamos na democratização para que essa qualidade chegue ao maior número de pessoas. Mas a arte contemporânea já traz consigo a problemática dos dias de hoje. O rapper de Brasília e de Goiânia geralmente fala dos mesmos problemas conhecidos pelos músicos do Rio e de São Paulo.

Penso que é importante levar para o interior essa discussão do contemporâneo e não vejo mais que haja mais ou menos conservadorismo em relação a quem more nos grandes centros urbanos. É importante que haja a vivência de diferenças e dos diferentes em qualquer parte, e até que o circuito passe e provoque estas discussões. Mas a nossa intenção é de levar a qualidade artística para estas cidades.

Muitos projetos do Sesc têm caráter educacional. Isso também se aplica no Circuito?

08O Circuito não tem o objetivo de resolver ou educar, mas de provocar, contribuir com a discussão das artes em São Paulo. Ele não tem um componente formativo específico como se fosse uma aula, mas informalmente podemos dizer que faz parte desta formação a provocação de manifestações culturais, de impactar o público. Porque se o público gosta do cantor, do maestro, do grupo que se apresenta, ele vai querer buscar o repertório dele por outras fontes.

Quais os resultados do Circuito Sesc de Artes? Algum comentário de um artista mais lhe marcou?

A quem inicia na carreira, o programa é válido pois dá repercussão, faz com que ele conheça mais públicos. Também lembro dos comentários do Emicida, do (André) Abujamra no nosso vídeo institucional. O que eles e outros com carreira consolidada comentam é que o programa possibilita que eles se apresentem em locais que geralmente nunca vão, porque a produção, o custo é muito caro de levar shows em cidades de pequeno, médio porte.

*Lincoln Spada