Entrevista: Bárbara Rodarte aborda Sistemas Municipais de Cultura

É lei. Nasceu em 2012 o artigo 216-A da Constituição, em que se cria o Sistema Nacional de Cultura. Inspirado nos formatos de Saúde (SUS) e de Assistência Social (SUAS), o modelo prevê que o Poder Público haja em rede nos níveis municipal, estadual e federal elaborando: secretarias, conselhos e conferências com participação popular, fundos de investimentos e um plano válido por 10 anos, todos específicos para a Cultura. Claro, além de outros componentes do sistema.

01Engatinhando por todo o País, ele ainda é um ninho de dúvidas para muitos gestores públicos, produtores, artistas e a comunidade em si. Por isso, a consultora da ‘Rodarte e Cultura’, Bárbara Rodarte ministrou na última semana pelas Oficinas Culturais um curso sobre sistemas municipais para a Baixada Santista.

Formada em Cinema pela FAAP, ela tem especialização em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos (USP) e MBA em Bens Culturais (FGV). No currículo, prestou trabalhos para a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, coordenando editais e programas de incentivo, como a Rede de Pontos de Cultura e os Pontos MIS. A seguir, Bárbara detalha pontos-chaves sobre cada componente do sistema.

Qual a importância de legislar os Sistemas Nacional, Estadual e Municipal de Cultura?

Dá mais respaldo. É a lei que institui, que cria o sistema, então ela é o primeiro passo. É a partir dela que vai criar ou regulamentar o conselho (de Cultura), o fundo, o plano. Então ela está institucionalizando esses componentes, é o pontapé inicial.

De acordo com o MinC, em 2009, apenas um quarto das cidades no Brasil mantinha um conselho municipal de políticas culturais. Por que a dificuldade de se implantarem estes conselhos? É comum também este desafio em outras áreas?

03A gente tem os conselhos mais consolidados nas áreas da Saúde e na Educação. Na Cultura, é um processo relativamente novo, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) foi instituído em 2012. Então a gente está começando a levar mais a sério essa questão dos conselhos. Este dado ainda é de 2009, hoje deve ser maior.

E também tem a resistência do Poder Público, às vezes o prefeito não achou bacana criar um conselho, às vezes nem tem conhecimento do SNC. Às vezes, todo mundo quer, mas não tem conhecimento, não sabe como fazer. Tem cidade que nem sabe que isso (o Sistema) existe. Tem muito disso em cidades muito pequenas.

Para a implantação do conselho, deve-se haver uma eleição para as vagas da sociedade civil, já que as do Poder Público são indicadas pelo prefeito. Quais são os modelos de eleição? Existe o ideal?

Depende da realidade da cidade, não tem um ideal. Se for por segmento, cidades pequenas não vão funcionar, porque às vezes vai ter a única pessoa de teatro da cidade para concorrer a vaga. Não tem ninguém pra votar nela, só ela, então tem que ter a votação aberta aos munícipes por que se não, não haveria sentido.

02Em cidades grandes, é legal que seja a eleição por segmento, porque aí você tem as pessoas que entendem de teatro e conhecem o candidato, optando por votar nele ou no outro. Uma pessoa de circo não necessariamente vai conhecer as pessoas de teatro, então ele não vai votar por quem conhece.

Nesse caso, pode ser que seja eleito alguém não tão bacana quanto outro porque tinha mais conhecidos, mais pessoas para votar neles. É, o ideal seria a votação por segmento, desde que as cidades comportem este tipo de eleição.

Quais são as restrições para a composição do Conselho Municipal de Políticas Culturais?

01Pela sociedade civil, a orientação que a gente tem do MinC é que cargos comissionados ou de confiança não concorram a uma vaga da sociedade civil. Mas se o funcionário público ou a pessoa que presta serviços é artista e foi legitimada pelo seu segmento, não há problema. Existe também a composição do conselho, que a participação do Poder Público deve ser de até 50%.

O que é essencial que conste no Plano Municipal de Cultura? É colocar diretrizes, metas, citar programas, espaços culturais? O que precisaria constar no plano?

É interessante que ele siga a estrutura que o Ministério da Cultura pede. Que tenha um diagnóstico, o que é super importante para você entender a situação da cultura do município atual para você traçar o caminho que quer percorrer. A partir do diagnóstico, você constrói as diretrizes, define quais são as prioridades, as estratégias, as metas…

01As metas são quantificáveis por período de tempo, então em quanto tempo você quer fomentar a área de museus? Então a meta pode ser, por exemplo, criar três museus até 2020. E aí também as ações, o que, de fato, você vai fazer para que se realizem as metas.

É bom colocar dentro do diagnóstico os equipamentos culturais. Os programas municipais podem ser citados, mas o plano já vai dialogar com estes programas, então não é necessário. Depois, com o documento aprovado pelo conselho, ele precisa passar como lei pela Câmara de Vereadores para ser assinado pela Prefeitura.

Para elaborar o plano, é interessante que sejam feitas audiências públicas por regiões ou por segmentos artísticos?

02Varia. Se pensarmos em cidadezinha pequena, nem faz sentido dividir por região. Por segmento nem tem, porque às vezes o conselheiro é o único daquele segmento. Para cidades grandes, funciona. É até interessante que no diagnóstico, se você tem conselheiros da área de teatro, por que fazer diagnóstico com todos? Aí você vai dividindo, fazendo comissões. Deixa o pessoal de teatro com a parte de teatro.

Na questão do fundo cultural, podem existir formas variadas para a sua arrecadação?

Tem algumas regrinhas para fonte de receita. A Secretaria da Cultura não é obrigada a destinar o seu orçamento para o fundo, exceto se você colocar na lei que todo ano vai haver um repasse de ‘x’ porcento do seu orçamento. Por isso que existem outras fontes, que a cidade pode optar, como doações (de pessoas físicas, jurídicas ou emendas parlamentares).

04Um que é legal, é que, dependendo do município, ele tem equipamentos como teatro ou cinema em que haja cobrança de ingressos. Então parte dessa arrecadação pode ir ao fundo, em vez de ir pro orçamento da secretaria. E aí é bem legal, porque você vai ter uma fonte de recurso que pode acumular sempre.

Como esse fundo pode ser utilizado? Existe restrições ou ele pode ser utilizado desde a manutenção desses teatros públicos até festivais ou projetos?

Geralmente, ele funciona para projetos por meio de editais, isso é até exigido para que haja repasse pelos fundos estadual e federal de Cultura. Ele não contempla manutenção e infraestrutura, a finalidade do fundo não é. Porque se recomenda na lei que ele não seja aplicado para despesas administrativas da Prefeitura.

O edital, por enquanto, é o modelo mais democrático que a gente conhece, o melhor para ser usado pelo fundo. Justamente para evitar a política de balcão, em que a administração pública escolhe quem vai ajudar. Assim, o edital dá mais transparência, em que todo mundo pode concorrer. É mais igualitário.

*Lincoln Spada