Mais dúvidas do que respostas foram semeadas na Caravana da Cultura, promovida pelo MinC na última terça-feira em Santos. Ainda assim, a experiência para o ministro Juca Ferreira e os secretários de políticas culturais Guilherme Varella e de diversidade cultural Ivana Bentes foi avaliada como positiva. A razão do entusiasmo do trio é a mesma da falta de soluções práticas: a dificuldade que o Governo Federal tem de conhecer as demandas pontuais de cada região do Brasil.
Este ano, Santos foi o sexto município a receber a iniciativa que já percorreu Fortaleza e Região do Cariri (CE), São Luís (MA), Salvador (BA), Belo Horizonte (BH) e Recôncavo Baiano (BA). A escolha da cidade foi uma combinação do ministro com o seu amigo de longa data, José Virgílio, presidente do Instituto Arte no Dique: ele se comprometeu a destinar a verba federal de R$ 360 mil em conversa com o gestor. Aliás, Juca já visitara o município outra vez em 2008 – também para conhecer o instituto no Dique da Vila Gilda.
> Entrevista com o ministro Juca Ferreira
> Entrevista com secretário de Políticas Culturais, Guilherme Varella
> Entrevista com secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, Ivana Bentes
“Venho aqui na maior boa vontade, não vim enrolar, cooptar ninguém (…). Isso aqui não é enrolação, não. Isso aqui é busca de diálogo, busca de cooperação”, enfatizou o ministro no Teatro Guarany. Da plateia, 23 pessoas pontuaram questões e demandas da Baixada Santista, todas anotadas pela trinca política. E cada um, ao lado do secretário municipal Fabião Nunes, pode tentar argumentá-las no final do encontro. Neste quebra-cabeça, as propostas e as respostas estão listadas a seguir:
1) Telma de Souza: Qual a visão de cultura do MinC para o Brasil?
Guilherme Varella: O ministério tem trabalhado até aqui a tridimensionalidade da cultura, ampliando o conceito com suas dimensões simbólica, econômica e cidadã. Ao contrário do que se veicula, nos tempos de crise é o momento de pensar da diversificação de disponibilidades, organizar os meios para intervir na cultura, nos marcos legais, de pensar em cultura como um ponto central de desenvolvimento no País. O que também nos guia é a camada de vê-la como um direito das pessoas.
2) Marcelo Ariel: Criação de um centro de apoio ao escritor, como faz a ONG Fórum da Cidadania de Santos; criação da integração das bibliotecas do País; criação de universidades livres de arte; solução para manutenção dos pontos de cultura do Brasil.
3) Brunão Mente Sagaz: As novas formas de desenvolvimento de políticas públicas federais.
Ivana Bentes: Quando penso nos pontos de cultura, entendo que nós somos os médicos cubanos do MinC, espalhados em mil municípios. Em qualquer lugar que chegamos, ou tem, ou teve ou vai ter um ponto de cultura. Desde o início do programa, foram 4 mil pontos de cultura. (…) Os recursos públicos são muito significativos, o estado brasileiro deve mobilizar e incentivar. (…) Hoje o ponto de cultura é um projeto que é política de estado, dentro da Lei Cultura Viva, algo que nem o Bolsa Família é. Ou seja, independente do governo, ele continuará a acontecer no Estado. Tem o orçamento próprio. Mas os últimos quatro anos foram um momento de desinvestimento, então sabemos que há redes que se desfizeram nos municípios. (…) Vamos lançar três editais estratégicos em junho: um em apoio a ações de mídia livre junto ao audiovisual com o Ministério das Comunicações; outro é um edital de redes de pontos de cultura, porque quanto se está preocupado em articular em rede, você se torna um ser político; o terceiro edital é de cultura indígena.
4) Sylvia Helena Souza: Proposta de eixos para o MinC: universidade como espaço de produção e cultura; universidade como espaço de mediação, difusão de conhecimentos e obras artísticas; saber mais sobre o edital Mais Cultura nas Universidades.
Guilherme Varella: Esta é a hora de criarmos uma forma que atenda todos os pleitos da comunidade. É preciso uma reaproximação com as universidades, para possibilitar o processo criativo, que esta seja uma política pública a ser descrita, e a outra questão é de indicadores culturais. Faltam informações e estatísticas sistematizadas para todos consigam ter um diagnóstico e cenário comum de análise.
5) Aparecida Oliveira: Qual a dificuldade do trabalho em rede do MinC e do Ministério da Educação?
Guilherme Varella: A cultura é muito mais que um ornamento do processo educacional, já estamos discutindo ações para complementar de forma vistosa os processos educacionais e queremos fazer com que as políticas públicas contemplem o audiovisual na escola, entre outros projetos. (…) O Juca e o Janine (ministro da Educação) têm uma ótima relação.
6) Talita Fernandes: Garantia em todos os editais nacionais de critérios de igualdade racial, gêneros e transgêneros. Criação de incubadoras culturais junto a municípios para formação de produtores e gestores. Ocupação artística de espaços ociosos, como os galpões e armazéns do Porto de Santos.
7) Junior Brassalotti: Mais fomento ao audiovisual como a lei dos curtas antes dos longas-metragens; ocupação de equipamentos públicos federais.
Juca Ferreira: Sou favorável que abra equipamentos públicos geridos por movimentos culturais da Cidade (…) Em São Paulo, quando era secretário de Cultura, íamos experimentar a co-gestão de espaços com movimentos artísticos, e aí avaliarmos. (…) Eu topo viabilizar o espaço do cais do Valongo com a Prefeitura. Mas vamos ter que definir juntos o uso daquilo ali.
8) Karla Lacerda: quais as diretrizes do MinC para investimentos na formação inicial de artistas? Regularização do projeto Cultura Sem Fronteiras. Mais políticas para segmentos artísticos.
9) Reginaldo Pinto de Oliveira: Capacitação de produtores culturais.
Juca Ferreira: A formação no Brasil é um escândalo e até devemos fazer uma parceria com o Ministério da Educação. (…) Não podemos mais viver da precariedade, preciso ter mais formação para técnicos, gestores e artistas. (…) Tem artistas que não tem como sobreviver, em geral, e isso é muito difícil, temos que olhar mais para a política de fomento no Brasil.
10) Rogério Baraquet: Qual é a política básica do MinC para melhoria de equipamentos públicos?
Juca Ferreira: Existe um descaso das cidades em manter os equipamentos e as memórias. (…) Tem certas demandas que são de nível municipal e estadual, nem sempre podemos abraçar todas.
11) Eduardo Ricci: Legado dos megaeventos – Copa do Mundo e Olimpíadas – para o fomento do cinema brasileiro. Quais os resultados para o audiovisual diante da secretaria federal de economia criativa?
Juca Ferreira: No campo audiovisual, passamos de 6 para 200 produções de filmes nacionais por ano, estamos conquistando públicos, linguagens, ainda são aos poucos, mas é uma experiência bem-sucedida. Nós aprovamos também a lei da TV a cabo (de aumento da produção e circulação de produções audiovisuais na programação das emissoras), que, diga-se de passagem, a maioria dos cineastas foi contra ou indiferente. Hoje o projeto dá quase R$ 1 bilhão por ano.
12) Caio Martinez Pacheco: Na região, os investimentos culturais geralmente são mais em obras do que na programação local para ocupar os espaços; mais investimento para fomento artístico; reestruturação dos editais da Funarte, já que é predominante os projetos contemplados nas capitais em vez do interior; uma nova lei de Prêmio do Teatro Brasileiro em que haja um orçamento próprio para o segmento; se as demandas das antigas caravanas até 2008 já foram realizadas pelo MinC.
13) Sandra Alves: Reabertura do Prêmio Klauss Vianna.
Guilherme Varella: O diagnóstico só vamos ter quando colocarmos o bloco nas ruas, perceber onde é que estão as peculiaridades regionais. (…) Os gestores públicos precisam ter dados para revisar, para gerenciar, e os artistas também para pleitear, pautar o nosso trabalho. (…) Nós teremos no próximo dia 9 de junho, o processo de discussão da Política Nacional das Artes [para entender as demandas de cada segmento] junto da Funarte.
Juca Ferreira: O diálogo é uma prática democrática. (…) Na área de políticas de artes, a Funarte (localizada no Rio de Janeiro) não ajuda nem a dos cariocas. Vamos discutir mais a política, porque “farinha pouca, meu pirão primeiro” é muito famoso. Vamos refletir de novo, criar um fórum específico que incorpore a Funarte. É um esforço necessário, (…) de construir com vocês esta política.
14) Platão Capurro Filho: Reconhecido pela Ordem do Mérito Cultural, qual a possibilidade de convênio permanente do Festa – Festival Santista de Teatro com o MinC?
Juca Ferreira: Sobre a questão do Festa, sugiro que batam primeiro na porta do Fabião. Depois em nível estadual. E depois converse com o ministério. Existem outros festivais antigos no Brasil.
15) Cleofaz Hernandes: Mais investimentos no artesanato paulista como ocorre no Norte e Nordeste. Cadastramento de todos os artesãos.
16) Artista plástica e designer Rosilma: Enfrentar a terceirização de trabalho para alta moda; projetos para empreendedorismo feminino; investimento no artesanato urbano.
Guilherme Varella: O artesanato é um elemento interessante, pois une a questão simbólica e econômica. É importante o MinC entender as cadeias, o marco regulatório, a possibilidade do cadastramento do artesanato. Estamos trabalhando ativamente para as economias de cada segmento.
Juca Ferreira: Vou começar uma negociação para que o artesanato entre no Ministério da Cultura, atualmente ele integra o de Desenvolvimento e Comércio, mas este não está com um olhar sensível para o segmento. Também estamos tentando trabalhar a gastronomia, o design e a moda no MinC, porque eles são partes importantes da cultura (…). Certamente nestes quatro anos, vamos ter um movimento seguro destes segmentos para que estejam no ministério.
17) Mestre Márcio: Recentemente patrimônio da humanidade, como a capoeira é contemplada pelo MinC?
Juca Ferreira: Em 2003, conversando com o Gilberto Gil, passamos a abrir editais de capoeira viva, capoeira na escola, encaminhamos o dossiê para a ONU para reconhecer como patrimônio da humanidade. Mas nós estamos com um perigo atualmente, que é um projeto de lei que tenta desapropriar a capoeira. Segundo ele, só poderão dar aulas de capoeiras quem for os profissionais de educação física. Nós estamos a fim de sensibilizar o Congresso, pois isso é um crime, porque a capoeira é mais que uma luta marcial, dança, é uma série de dimensões feitas por pobres capoeiras envolvidos ideologicamente. (…) Foi algo genial que o Brasil inventou, coisa de preto, e estamos nos mobilizando para evitar a aprovação da lei.
18) Raquel Rollo: Muitos editais ainda não foram pagos. Aproveito e leio a carta da Rede de Teatro de Rua Brasileira: “Já há oito anos, divulgamos, rebatemos, sentamos, exigimos ações concretas e efetivas pela arte pública e cultura do nosso país, já que o governo vergonhosamente vem sumindo ano a ano, para um estado de legitimação de falsa participação, de um falso programa de cultura brasileira. Cansamos e não vemos sentido em dialogar com o ministro da Cultura se as conversas sempre reclamam de faltas de verbas. (…) Endossamos esse caldo com professores, movimentos de moradia, saúde, trabalhadores, quilombola, indígenas, povos da floresta, LGBT, feministas etc. Não há como construir mais pautas, nos últimos oito anos já fizemos reuniões e cartas, resta pôr em prática”. Entre as demandas: editais com dotação orçamentária; fim da Lei Rouanet.
Juca Ferreira: A minha vinda não é uma enrolação, uma substituição pela falta de verbas. (…) Eu não acredito em política pública construída dentro de gabinete, foi assim que avançamos em políticas culturais. (…) O MinC existe para receber a demanda da população. Não estou querendo cooptar ninguém. (…) Não é verdade que faltando verba, o MinC não vai fazer nada. (…) Mesmo nos melhores momentos, o dinheiro nunca foi suficiente para todas as demandas. Mas desde que entrei no ministério (2002 a 2010), o orçamento subiu de R$ 237 mi para R$ 2,3 bi.
Guilherme Varella: Teve uma demora neste semestre, porque há já o atraso natural a pagar os editais, mas acho que gradativamente eles estão sendo pagos, ainda mais agora, porque o orçamento do ministério foi liberado na última semana.
19 e 20) Hércules Góes e Bruno Fracchia: A mudança da Lei Rouanet.
21) Lincoln Spada: Qual o desafio para ainda não mudar a Lei Rouanet desde 2008?
Juca Ferreira: A Lei Rouanet é uma enganação, a pessoa sai alegre com o crédito na mão e não consegue financiamento das empresas. (…) Todo mundo sabe sou o maior arqui-inimigo da Lei Rouanet, porque quando pedimos pro Ibge (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), os números foram escandalosos. Não é uma lei que dá suporte a política pública de cultura.
Para o artista pedir o reconhecimento de poder usar a lei (em que empresas aplicam seus impostos em projetos culturais), o Ministério utiliza mais de 300 funcionários para avaliar a proposta e a prestação de contas, e quando a gente aprova, as empresas só tem interesse por aqueles que dão retorno de imagem, atores famosos de novelas, da Broadway.
A Lei Rouanet representa 80% do dinheiro que temos de fomentar a cultura. Isso não é só neoliberal, isso é um escândalo. Um ministro da Inglaterra quando viu os dados, disse que até lá seria impossível dar dinheiro público para construir a imagem das empresas. Isso é perverso. Boa parte do Norte do Brasil tem retorno de 0%. No Nordeste, por causa de Pernambuco e Bahia, 4%. Em Minas, 10%. No Rio e São Paulo, 80%. E aqui dentro, das capitais, são sempre os mesmos, 60% dos investimentos. (…)
Tem instituições que pegam R$ 90 milhões, R$ 60 milhões, e não tem como proibir, porque ela foi criada na época do governo Collor, que queria privatizar os recursos públicos. Nós vamos mudar a lei para o Pró-Cultura, onde o dinheiro público (dos impostos) vão para um fundo público (movido por editais aos projetos artísticos). (…) Esperamos mudar a lei este ano, muitos senadores foram a favor da mudança. (…) Mas há no Brasil uma onda reacionária, que quer retroceder a política e que precisamos nos mobilizar.
22) Tarcísio de Andrade: O MinC defende que a gratuidade do transporte público pode fomentar o acesso à cultura?
23) Rodrigo Marcondes: Como iniciar o Sistema e Plano Municipal de Cultura.
[As duas propostas não foram contempladas em nenhum argumento]
*Lincoln Spada